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ARTIGO

CONTOS DE NATAL

Primeiro Natal pós-guerra - Ary Silveira de Souza

Pessoas que alcançam a longevidade com a saúde mental preservada não esquecem alguns momentos que marcaram a sua infância. Cenas do primeiro Natal depois da Segunda Guerra Mundial ocorrida entre 1939/1945, que mobilizou 100 milhões de militares e matou mais de 70 milhões de pessoas, incluindo cerca de 500 brasileiros que tombaram nos campos de batalha, ficaram para sempre gravados na memória de um menino de 9 anos. 

Em meados de 1944, a família morava ainda em Joinville, no bairro Boa Vista, quando o irmão do menino recebeu convocação do 13º Batalhão de Caçadores para integrar o 2ª Escalão da FEB - Força Expedicionária Brasileira. Para continuar contando com sua ajuda nos serviços da olaria que possuía no Boa Vista, tanto na produção como no transporte das louças em canoa a remo para o mercado de São Francisco do Sul, o pai havia matriculado o filho no Tiro de Guerra. 

O Tiro de Guerra é uma instituição militar do Exército Brasileiro encarregada de formar atiradores e ou cabos de segunda categoria (reservistas) para o exército. Os Tiros de Guerra são estruturados de modo que o convocado possa conciliar a instrução militar com o trabalho. A preocupação do pai não evitou que o filho, já na condição de reservista, fosse convocado para a guerra. 

A ausência do filho no âmbito familiar, sua falta também nos serviços da olaria, levou o pai a vender a propriedade em Joinville e voltar a residir em sua terra natal, o balneário de Ponta de Baixo, em São José, na Grande Florianópolis.Adquiriu uma propriedade de frente para o mar com uma ampla casa, chácara, e olaria equipada com dois fornos. 

No Natal de 1945, Menino Jesus trouxe o maior presente que uma família pode receber, o retorno do irmão que integrava a FEB, lutando bravamente contra o poderoso exército alemão, na Itália. As lágrimas de tristeza provocadas por ocasião de sua partida para a frente de batalha eram agora mais abundantes motivadas pela emocionante alegria de sua volta. 

A família voltava a ficar completa. Foi o mais alegre e feliz Natal vivido pela família. As crianças não esqueceram de cortar capim para alimentar o burrinho do Menino Jesus. A alegria pela volta do irmão querido, chegou a reduzir o encanto proporcionado pelos brinquedos deixados junto ao pinheirinho.Neste belo cenário, a família comemorou as Festas de Natal de 1945 e o alvorecer de 1946. Entre Natal e Ano Novo, todos tinham perguntas para fazer ao irmão sobre a guerra. Na manga da farda, ele mostrava o distintivo, uma cobra fumando cachimbo em resposta para os que afirmavam ser mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na guerra.

Contava que as forças brasileiras foram integradas ao V Exército norte-americano, comandado pelo general Mark Clark, que por sua vez fazia parte do 10º Grupo de Exércitos Aliados. Relatava com maiores detalhes quando falava da conquista de Monte Castelo, último reduto das forças alemãs. Uma vitória consumada depois de várias tentativas sem sucesso. "Além do fogo inimigo, os aliados precisavam vencer temperaturas abaixo de 0. Foi no amanhecer de 21 de fevereiro de 1945, mais precisamente às cinco e meia, as tropas partiram para a conquista do baluarte que estava em poder dos alemães.

A artilharia da FEB, reforçada com 18 obuses do IV Corpo, realizou intensa preparação de fogo que causou reações na defensiva alemã. Os batalhões protegidos pelo apoio de fogo progrediram durante todo o dia, causando baixas e fazendo com que os opositores se retraíssem. No final da tarde, a defesa inimiga foi silenciada e Monte Castelo estava tomado", contava emocionado o nosso herói, Em alguns momentos, a alegria pela vitória fugia de seu semblante para dar lugar a um ar de tristeza pelos quase 500 soldados brasileiros que haviam tombado nos campos de batalha. 

Como tradicionalmente acontecia, a família aguardava com grande expectativa o início do Ano Novo. Na tarde de 31de dezembro de 1945, alimentos para o jantar comemorativo a cargo da mãe e irmãs adultas, preparados em panelas de barro em fogão a lenha, começavam a ficar prontos. Uma variedade de doces amassados em bacias de barro já assavam em fogão de tijolos. Como não havia geladeira, nosso irmão encheu um balde com garrafas de cerveja e refrigerante Pureza, deixando-o no fundo de um poço para refrescar. 

Na noite de 31, quando os dois ponteiros se encontraram no ponto mais alto do mostrador do relógio anunciando o fim de 1945, e os sinos da Igreja Matriz de São José dobravam saudando a chegada de 1946, a troca de abraços indicavam o nascimento de uma nova era dominada pela paz. Com os olhos encharcados de lágrimas motivadas pela emoção, os desejos de feliz Ano Novo ficavam embargados na garganta. 

Após os cumprimentos, nosso irmão resolveu fazer uma comemoração que ficaria para sempre registrada em nossas mentes. Foi até a cozinha e trouxe uma a uma, todas as panelas de barro, pratos, canecas, bacias e foi quebrando-as até deixar a nossa cozinha sem os tão necessários utensílios. Somente uma pessoa, a nossa querida mãe, não se empolgou com a comemoração que significava começar de novo. A cada peça quebrada ela dirigia um olhar de pena. Quando não tinha mais louças para quebrar, nosso pai fez com que o sorriso de felicidade voltasse a iluminar o semblante de nossa mãe.

Dirigindo-se à ela, disse que o depósito de louças estava à sua disposição para a reposição da louça quebrada. No dia seguinte, ela se dirigiu ao depósito localizado no maior compartimento da casa, um salão que o antigo proprietário usava para a realização de bailes, onde escolheu novas peças de louças.

Ary Silveira de Souza - Jornalista - Editor do JI - Autor do livro Memórias de Um Repórter Joinvilense

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